quinta-feira, 13 de março de 2025

Unidade: O Grande Desafio da Igreja na História (Parte 01)




Os evangelhos registram diversas falas e orações feitas por Jesus. Uma das mais célebres é a conhecida "Oração Sacerdotal", registrada no relato do apóstolo João. Nela Cristo expressa seu desejo de ver a Sua Igreja em um só espírito e um só coração:

Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, enquanto eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um. Não peço somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por meio da palavra que eles falarem, a fim de que todos sejam um. E como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti, também eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. (Jo 17:11;20,21 - NAA) (grifos nossos).

A própria Escritura dá testemunho de que a primeira geração de crentes, no período do Novo Testamento, vivia essa unidade tendo a memória do Jesus ressuscitado e a autoridade apostólica como os principais elementos unificadores. Tal unificação foi descrita por Lucas: Da multidão dos que creram era um o coração e a alma.
Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. (At 4:32 - NAA).

Não se pode negar que a igreja primitiva tinha problemas, inclusive nesse assunto. Por isso os apóstolos, em especial Paulo na primeira carta aos Coríntios, escreveram peças doutrinárias muito importantes sobre a unidade da igreja, comparando-a a organismos vivos (figuras do corpo ou lavoura), edifício vivo, etc. No primeiro século, portanto, a unidade era mais factual do que em qualquer outra época da história do povo de Deus, apesar das muitas limitações desse período.

É claro que estamos falando até o momento da unidade da
igreja visível. Se pensarmos no conceito de igreja sob seu aspecto espiritual, sabemos que ela está una desde o princípio, pois é a reunião de todos os verdadeiros crentes em Jesus, percebida apenas pelo Senhor. É a ela que Pablo Deiros se refere quando diz que o estudo da história da fé cristã nos ajuda a ver a unidade da igreja apesar de todos os 
percalços que surgiram no desenrolar dessa história (Conferir História Global do Cristianismo, Editora Vida p. 23).

Com tudo isso em mente, fica eminente na história da igreja os muitos esforços pela unidade em momentos cruciais. Pela graça de Deus, a igreja cristã sempre contou com unificadores. Homens e mulheres que, menos ou mais reconhecidos por esse papel, foram cruciais em lutar pela unidade doutrinária, filosófica, prática e pastoral em variados contextos. Faziam tudo isso tendo que lidar com perigos internos e externos ao arraial eclesiástico, presente nas muitas fases. Vamos destacar, a título de exemplo, quatro desses períodos:

Cartas, Credos E Concílios

No final do primeiro século e início do segundo da era cristã, questões insidiosas já surgiam nos ambientes eclesiásticos. Dentre elas, ressaltam-se os debates acerca da distinção entre o judaísmo e o cristianismo nascente, bem como o protognosticismo. O problema da separação do cristianismo e judaísmo é bem marcante, tanto no registro dos Atos quanto no aspecto doutrinário ao longo das cartas paulinas e demais documentos neotestamentários.

E quando detemos nossa atenção no segundo problema, lembramos que alguns sugerem que parte dos textos do Novo Testamento (em referência às epístolas de Colossenses e I João) já contenham advertências à igreja cristã acerca das primeiras ideias gnósticas, geralmente associadas a figuras como
Cerinto, contemporâneo do apóstolo João e de seu discípulo Policarpo, Em seus escritos, negava a divindade de Cristo.

As igrejas precisaram lidar com esses problemas e o fizeram através de concílios e de correspondências entre si. Uma vez que lideranças foram estabelecidas nas principais cidades em que o ministério apostólico foi desenvolvido, foi fundamental para a manutenção da fé cristã primeva o uso dessas comunicações. Chegaram até nós escritos como as cartas de Clemente, Inácio e documentos que tratam da vida dos primeiros pais, cujo ministério era marcado por fortalecer as igrejas que haviam sido instituídas no primeiro século.

Com o crescente número de heresiarcas, falsos ensinos, práticas desconectadas do exemplo bíblico, perseguições do aparato imperial romano e mais uma série de outros elementos de menor impacto, os notáveis líderes da igreja foram percebendo a necessidade de firmar as comunidades de fé na doutrina através de expedientes e fórmulas que ajudassem a inculcar de modo educativo os fundamentais e inegociáveis princípios da cristandade. Os credos e documentos de instrução, como a Didaqué, se tornaram, à medida que a igreja amadurecia, formas de manter firme o ensino cristão nas igrejas.

Junte-se a isso a necessidade de confirmar, dentre diversos textos importantes e utilizados pela igreja, quais eram autoritativos para o povo de Deus e de inspiração do Espírito, antes que o testemunho dos fatos narrados fosse apagado da memória cristã. É importante adicionar também que as heresias vindas de todos os lados tinham um alvo: Jesus Cristo.

Os primeiros concílios, portanto, foram importantes para unificar a igreja em torno de uma percepção mais profunda do personagem mais importante da fé cristã, estabelecendo doutrinas basilares como a união hipostática das duas naturezas de Cristo. Como resultado, houveram rupturas na igreja visível, mas uma unidade significativa foi mantida.

REFORMA, DEBATES E CONFISSÕES

A primeira geração de reformadores também precisou encarar o desafio da unidade. Os reformadores sem dúvida concordavam em diversos pontos. Esse fato foi um dos motivadores do esforço promovido por Martin Bucer, de unir as alas alemã e suíça do movimento de conserto da cristandade.

Nesse período, o principal nome da reforma suíça era
Ulrico Zwinglio, enquanto na Alemanha avançavam os esforços de Martinho Lutero. A tentativa resultou em um conflito a respeito da Ceia do Senhor, tema no qual Lutero enfatizou a consubstanciação, enquanto o Reformador de Zurique. Como destaca Sean Michael Lucas em seu artigo "Por que os reformadores não se uniram?" (disponível em www.thegospelcoalition.org): 
Mas, no final, quando os reformadores emitiram sua declaração conjunta, eles concordavam em 14 pontos consecutivos de doutrina. As correntes luteranas e reformadas concordavam em relação às doutrinas de Deus, do pecado original, da justificação somente pela fé, da necessidade da pregação e do batismo, das boas obras e do feitio das relações com as autoridades civis. Estavam divididos apenas no último ponto: "o sacramento do corpo e do sangue de Cristo" (...) o ponto de discórdia era "se o verdadeiro corpo e sangue de Cristo estão corporalmente presentes no pão e no vinho". Lutero dizia que sim, Zwinglio dizia que não, e o protestantismo permaneceu dividido.

Uma leitura pessimista desse relato verá de fato o ponto onde não houve acordo. Não se deve perder de vista, porém, que nas questões mais fundamentais, o movimento reformador de várias geografias europeias compartilhava uma espinha dorsal comum de fé. As grandes expressões da fé protestante nas gerações mais maturadas da Reforma conceberam importantes documentos confessionais como as Confissões de Augsburgo, Escocesa, Belga, o Catecismo de Heidelberg e outros documentos semelhantes, os quais tinham diversos elementos distintos, mas expressavam valores em comum, em especial o da justificação pela fé, a autoridade das Escrituras sobre a igreja e a suficiência da obra de Cristo para a salvação do pecador.

Texto: Davi Freitas

Link do Instagran


Davi Freitas.

Pastor da Igreja do Nazareno em Caruaru, PE
Bacharel em Direito pela Faculdade ASCES-UNITA, Formado em Teologia pelo seminário Teológico Pentecostal do Nordeste e pós-graduando em Teologia Histórica no Seminário Teológico Jonathan Edwards.
Casado com Maíra Freitas







Nenhum comentário:

Postar um comentário

Paracletologia: O Estudo do Consolador

  A Paracletologia é o ramo da teologia que se dedica ao estudo do Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade.  O termo "Paracletolo...